26.11.06

Da série: O Papa na terra de Manoel Paleólogo!


Num gesto carregado de simbolismo, o papa Bento XVI irá na próxima terça-feira à Turquia onde passará quatro dias. Esta será a primeira viagem que ele faz a um país mulçumano. No terceiro dia da visita, na quinta-feira, ele pretende visitar à antiga basílica e atual museu de Santa Sofia, que fica em Istambul. Em decorrência disso, um grupo de cem nacionalistas islâmicos se antecipou e, na semana passada, entrou no museu e fez orações, violando a lei até hoje em vigor. Quarenta foram presos. O incidente mostra até que ponto a visita do papa acirra os ânimos na Turquia, supostamente o país mais secular do mundo muçulmano.
Foi na cidadela murada que o papa agora visitará que o imperador bizantino Manuel II Paleólogo pronunciou, em 1391, a frase relembrada por ele na Universidade de Regensburg (Alemanha), dia 12 de setembro: "Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e você encontrará apenas coisas más e desumanas, como sua ordem de espalhar pela espada a fé que ele pregou."
A citação enfureceu todo o mundo muçulmano, mas soou para muitos turcos como uma provocação dirigida a eles, não só por causa da visita iminente, mas porque eles não se esquecem de que, em 2004, o então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, opôs-se publicamente ao ingresso da Turquia na União Européia (UE), por seu "permanente contraste com a Europa".
O papa chega à Turquia duas semanas antes de uma reunião de cúpula da UE para o país. Depois de um processo extenuante de reformas para se ajustar às normas européias, a Turquia corre o risco de não ser aceita pela UE. Na percepção de muitos turcos, a UE tem imposto novas exigências cada vez que as anteriores são atendidas porque, na verdade, não deseja a entrada da Turquia por se tratar de um país muçulmano.
Nesse contexto, a pergunta natural é: o que o papa vem fazer na Turquia? A resposta inquieta muitos turcos. Bento XVI vem a convite do patriarca Bartolomeu I, reconhecido pelo Vaticano como primus inter pares (primeiro entre iguais) de todas as correntes cristãs ortodoxas.
Suscetibilidade
O Estado turco - cuja suscetibilidade a um reerguimento político dos cristãos ortodoxos (0,01% da população) se aproxima da paranóia - não reconhece esse papel ecumênico do patriarca, que historicamente remeteria ao Império Romano do Oriente, suplantado pela espada do Islã em 1453.
Para evitar que a visita do papa elevasse o perfil de Bartolomeu, o governo turco decidiu convidá-lo também, fazendo dela uma visita de Estado à Turquia. Depois da citação de Regensburg, resolveu rebaixar a visita na prática. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, um islâmico moderado, lembrou-se de um compromisso - a reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte, em Riga (Letônia), dias 28 e 29. E anunciou que não estaria para receber Bento XVI, que fica na Turquia entre os dias 28 e 1º - um em Ancara, algumas horas em Éfeso e quase três dias em Istambul, onde verá, além de Bartolomeu, os patriarcas ortodoxos armênio e sírio e o grão-rabino da Turquia.
A visita do Papa será dividida em três partes: a primeira será de diálogo com os muçulmanos, na qual se reunirá com o presidente da República turca, Ahmet Necdet Sezer, e o responsável de Assuntos Religiosos, Ali Bardakoglu.
Bardakoglu disse que falará com o Papa "não como político, mas como homem de religião", e que o principal tema da conversa será o "erro de Bento XVI", cometido quando citou um imperador bizantino que tinha afirmado que Maomé, fundador do islã, "não tinha trazido nada de novo, exceto a ordem de estender a fé através da espada".
Nesta ocasião, o Papa poderá apresentar ao Governo turco alguns problemas da comunidade católica no país. Fontes da conferência episcopal na Turquia asseguraram que a liberdade religiosa é respeitada e protegida no país, mas que a denominação cristã de rito latino não tem um reconhecimento jurídico como as outras confissões, e reivindicam a concessão de alguns bens que pertencem à tradição católica.

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