13.12.06

A Solidão de Israel!

O revolucionário russo Alexander Herzen costumava dizer que o problema central dos povos eslavos estava num excesso de geografia e num déficit de história. Um século depois, o mais fervoroso admirador de Herzen - o filósofo britânico Isaiah Berlin - resolvia inverter a máxima para ilustrar o "problema judaico". Para Berlin, o problema dos judeus era um excesso de história e uma dramática falta de geografia: dois milênios de tragédias e vilanias que só uma Casa - no sentido físico e até espiritual - poderia resolver completamente.Essa é, numa simplificação necessária, a visão primeira do primeiro sionista, Theodor Herzl. Mas se Herzl estabeleceu as bases do sionismo moderno, um fato acabaria por tornar Israel uma inevitabilidade prática, e não apenas teórica. Na Segunda Guerra Mundial, um dos mais sistemáticos e radicais programas de extermínio mostrava como a longa história do anti-semitismo só seria travada, ou pelo menos suspensa, se os judeus tivessem essa casa sem mais demoras: um espaço de reconciliação a que pudessem chamar seu. Mesmo que não desejassem, como efetivamente muitos não desejaram, regressar a ele.Israel só existe porque o Holocausto existiu. Ou, inversamente e na lógica do anti-semitismo, Israel não tem direito à existência se o Holocausto foi uma farsa. Não vale a pena afirmar que cinco décadas de historiografia séria, com testemunhos pessoais, físicos e documentais, estabeleceram os contornos do inominável. O desejo de legitimar uma mentira implica, na mentalidade criminosa de "revisionistas e negacionistas", um primeiro passo para deslegitimar Israel. E se Israel está assente numa mentira, o Estado judaico não tem direito a existir. Trata-se, no fundo, de uma velha técnica de "desumanização" progressiva que o Terceiro Reich cultivou com sucesso: se retirarmos a um ser humano a sua basilar "humanidade", nada impede que ele possa ser humilhado e destruído. Quem, no fundo, verte uma lágrima por um verme? Um verme é um verme.É esse filme de mentira e consequência que atualmente está em cena no Irã. No momento em que escrevo, 30 países estão representados numa "conferência internacional" em Teerã, com o nobre propósito de indagar a "veracidade" do Holocausto. Os promotores garantem pluralismo, ou seja, rédea livre a "revisionistas" e "negacionistas" para questionarem os campos, as câmaras de gás e o "mito" dos seis milhões. E tudo isso para quê? Um representante do governo iraniano defende o circo como crítica necessária à censura que reina no Ocidente, onde "revisionistas" e "negacionistas" são silenciados e presos (infelizmente, uma estupidez sem defesa que só confere trunfos aos fanáticos). Mas é preciso ouvir um "negacionista" verdadeiro para encontrar a resposta ironicamente verdadeira. Convidado a pronunciar-se sobre o encontro, Frederick Toben, que apresenta aos congressistas a comunicação "As alegadas câmaras de gás de Auschwitz - Uma análise técnica e química", afirma sem hesitar: "O Holocausto equivale a uma mentira. Consequentemente, Israel é uma mentira".Estão enganados os que pensam nesta conferência como um simpático encontro de lunáticos. Enquanto os "especialistas" debatem a "mentira" (a "mentira" do Holocausto, ou seja, a "mentira" de Israel), o Irã inicia a expansão do seu programa de enriquecimento de urânio, com o começo da colocação de três mil centrifugadoras no centro do país. O Conselho de Segurança das Nações Unidas persiste na sua farsa diplomática e numa absoluta, e já lendária, incapacidade punitiva. E os Estados Unidos, tradicionalmente aliados de Israel, não rejeitam aceitar um Irã com capacidade nuclear: Robert Gates, novo secretário da Defesa, reconhece implicitamente essa possibilidade; e o recente relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque aponta o Irã (e a Síria) como parceiros diplomáticos no Oriente Médio, capitulação evidente que pode implicar, em linguagem bem prosaica, a simples venda de Israel a Teerã.Negar: como no Mefistófoles de Goethe, a destruição começa no próprio ato de negar. Israel está hoje mais só do que nunca. Dessa solidão irá nascer a possibilidade de enfrentar os demônios que o negam. Não haverá segunda.
Por João Pereira Coutinho

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